GOMES CANOTILHO: “Algumas dimensões simbólicas são esmagadoras para a Universidade de Coimbra”

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É um dos nomes mais relevantes do direito constitucional da actualidade. No entanto, Gomes Canotilho nunca cedeu “aos gestos da sereias” e foi ficando na Universidade de Coimbra. Isso não o impede de lançar críticas ao quietismo passadista ultra-romântico da cidade e da sua universidade, que – refere – “tem sérios problemas a nível de investigação” e onde “não faltam exemplos de terceiro mundismo no turismo”.






 - Fez 67 anos em Agosto... 
Está na altura de preparar a reforma.


- Para quando será? 
A Universidade de Coimbra (UC), dentro de uma lógica da história da casa, dá um certo valor àqueles que aguentam até aos 70 anos. Por isso é que há a diferença entre reformados e jubilados. Não há consequências em termos formais ou materiais, há apenas uma diferença académica e institucional. Os que têm 70 anos têm direito a uma última aula, que não é dada pelo próprio professor, mas por um dos seus discípulos. É apenas essa dimensão simbólica. Penso que, sob o ponto de vista pessoal, se tivermos saúde e frescura intelectual, devemos continuar. Mas também devemos admitir que os 70 anos, o limite de idade, é uma lei razoável e que deve ser preservada.


- Ficará na faculdade até aos 70 anos? 
Como lhe disse, se tiver energia física e frescura intelectual, ficarei.


- Não gostava de, nestes próximos anos, ser reitor da UC? 
Nada. Absolutamente. Primeiro, porque em rigor, os cargos que ocupei e de que tenho menos saudade, foram esses: o de vice-reitor com o reitor Teixeira Ribeiro e nos conselhos directivos e científicos da Faculdade de Direito. Não tenho grande apetência para trabalhos burocráticos. Nem tenho paciência. Também não tenho grande organização. Daí que não sejam cargos que me motivem muito. O que eu gosto de fazer é, no fundo, discutir estratégias e produzir ideias.


- Portanto, a política… 
Não, não. A única coisa que aceitei foi ser mandatário nacional do Fórum Novas Fronteiras e acho que se impõe o aparecimento de novas gerações que é um dos problemas que temos na política. No fundo, a ideia da aceitação da política em termos republicanos. Ou seja, darmos algum contributo pessoal, empenharmo-nos nos problemas da cidade e da República sem quereremos nada em troca. Este é o ideário republicano que é, precisamente, exercer a actividade política em torno de uma certa virtude, de um certo compromisso, de uma certa dádiva, e não estar à espera da fortuna e das benesses que a política, muitas vezes, pode trazer numa perspectiva que não é propriamente a minha.




- É preciso aprofundar a ideia da transparência das instituições, introduzir esquemas de combate eficaz à corrupção? 
Para responderemos a essas questões acho que devíamos ter uma ideia bastante ordenada e profunda do que é o Estado actualmente. E o Estado precisa de auxílio quanto à sua inteligibilidade.


O Estado defronta-se com processos incontornáveis e que dificultam a nossa vida. Aliás, especialistas salientam que o Estado tem enormes dificuldades em conseguir impostos, por mais apuradas que seja as máquinas fiscais: muitos rendimentos são deslocados para o exterior, obedecem a outras lógicas que nenhum Estado comporta, e isso vai impedir uma redistribuição de rendimentos. Portanto, diríamos que a política relacionada com esse tipo de Estado é uma política mais complicada.


Acho que os países precisam de políticos profissionais e de políticos contentes. Porque a política hoje, se for uma política diletante, é óbvio que não é política. Não sabem os dossiês, não sabem o que é que se discute. É errado. O que talvez se exija é, por um lado, mais compreensão em relação aos cidadãos difíceis: que podem ser os cidadãos dos bairros, os desempregados, os doentes, os universitários, os jovens que não têm emprego ou que não têm emprego regular. Por seu turno, os cidadãos exigem mais transparência. Isso é verdade. E é por isso que, em termos republicanos, um Estado tem que se subordinar aos vários esquemas que tornem transparente a política. E parece-me que isso não é uma meta inatingível. É um processo e um esforço contínuos que implica que todos nós, enquanto cidadãos, contribuamos para este desiderato. No fundo, é o que nós vamos tentar concretizar com esta comemoração dos 100 anos da República: ver como é que se pode pensar a República.


- Está a presidir há poucos meses ao Conselho de Curadores da Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior… 
Pois, isso agora é outro problema em que me meti. A nossa função imediata é a de escolhermos o presidente do Conselho Executivo. Portanto, nós não somos propriamente os escolhidos. Somos uma instância que vai dinamizar esta agência através da escolha do Conselho da Direcção e que vai ter uma missão complicada que é a avaliação das instituições do ensino universitário e politécnico.


- É defensor do pagamento de propinas… 
Sempre fui. Houve alunos – com algum espírito de humor – que disseram que nós tínhamos comentado a Constituição (no sentido de um ensino tendencialmente gratuito) e que agora entendíamos que o gratuito se tinha transmutado em pagamento. Tudo isto é uma questão de opção em termos de políticas públicas. Por exemplo, uma boa parte das pessoas não sabe que o Chile, optou pelo máximo de “império” quanto aos cursos primários e liceais e um não investimento no plano do ensino universitário, o que abriu o ensino superior às entidades privadas. Por exemplo, no Brasil, verificamos que quem tem acesso às universidades públicas são os que frequentaram escolas privadas porque a escola pública está degradada, está descapitalizada e, portanto, os pobres estão a financiar o ensino público universitário predominantemente frequentado por ricos. Temos que ver que, muitas vezes, aquilo de que nós falamos nem sempre conduz aos resultados que defendemos e nem sempre são caminhos de justiça social. Neste caso, de uma justiça académica. Por isso, acho que num Estado que tem problemas de receitas, não é mau introduzirmos um elemento que possa dotar as instituições de ensino de outras receitas que não apenas as receitas do Estado.


Sou defensor das propinas mas também penso que universidade de ensino superior deve ser de ensino público. Ou seja, a dimensão republicana do ensino da escola pública deve prolongar-se para um ensino superior. Primeiro, porque defendo a universidade republicana onde cabemos todos, independentemente de riquezas, de religiões ou políticas. Nas privadas nem sempre é assim. Por outro lado, a universidade republicana não é necessariamente uma universidade elitista, é uma universidade alargada a um número razoável de pessoas, mas só pode ser uma universidade republicana neste sentido, se for uma universidade de prestígio e de qualidade. E esse é que é o problema que nós temos actualmente em Portugal: como é que as universidades públicas podem manter-se como universidades-prestígio. Porque se não forem, corremos o risco de ficarmos com maus alunos e de eles não nos procurarem. Este é um problema real que poderemos ter em todos os níveis (do primeiro ao segundo ciclo e doutoramentos). Deveremos pensar seriamente em estratégias para conseguir isto: ou seja, mantermos uma universidade pública que seja apetecível para os alunos, mas ao mesmo tempo, uma universidade que discute dos lugares cimeiros – não necessariamente em termos de “ranking”, mas em termos de formação e de investigação. Este parece-me ser um valor fundamental.


- Na sua faculdade, há um elevado número de chumbos por cadeiras… 
Não me diga isso porque eu sou um dos réus. Tivemos agora provas escritas em que há 60 a 70 por cento de reprovações.


Como sou presidente do Conselho de Curadores, eu também seria avaliado em termos negativos por esta “dose” de reprovações. Este ano, tentei dinamizar a avaliação contínua de acordo com o modelo de Bolonha. Quais são alguns dos resultados com esta experiência? Primeiro resultado: os melhores alunos são brasileiros –vêm no programa Erasmus para Coimbra e trabalham, aparecem nas aulas às 08H00 da manhã, não faltam, vão a todos os cursos de Línguas oferecidos pela universidade (entre outros), têm alguma capacidade de intervenção (superior à dos alunos portugueses), fazem os “papers” e tiveram boas notas nos testes. Depois, temos uma elite dos liceus: dos liceus de Coimbra, dos liceus próximos, de Aveiro e outros, que mostra que não é por acaso que foram os melhores alunos do liceu. E estes alunos permitiram um outro tipo de ensino.


- Esses alunos são os que vêm de escolas privadas? 
Não. O nosso critério no primeiro semestre foi o da nota de acesso ao ensino superior. Foi apenas esse. Justo ou injusto foi um dos critérios objectivos que tivemos para explicar aos alunos que só tínhamos duas turmas porque não podíamos ter mais. E, no segundo semestre, o critério foi o da nota do primeiro semestre, o que possibilitou alguma troca, digamos assim. Estes alunos são muitos melhores do que eu era – e eu era bom aluno [concluiu o curso com uma média de 17 valores]. Primeiro, porque têm acesso a outras fontes, têm outro tipo de experiência. É fácil fazer um “paper” dominando várias línguas. Tudo isto permitiu a seguinte conclusão: começando nós a trabalhar às 08H00 e estando cá eles, fazendo os trabalhos de casa sempre controlados na intervenção, e havendo uma aprendizagem ao longo do ano, temos um êxito assinalável. Ou seja, posso dizer que passámos muitos alunos em virtude deste método. Os outros, que seguiram o método tradicional da casa – a avaliação final –, são um número de alunos que anda por aqui. Não aparecem, não sabem ler enunciados, dão erros ortográficos, e acho que temos que levar isso a sério. Porque são muitas dezenas e centenas de jovens e eu não acredito que eles não tenham capacidade de tirar um curso como o de Direito. Alguma coisa está a falhar.


A primeira coisa que estabeleci foi: “ou me reformo ou, apesar de tudo, aceito o desafio de Bolonha que é o aprender fazendo”. Na avaliação final, os alunos não tinham este trabalho de casa, não tinham os acórdãos, não tinham as intervenções obrigatórias e alguma coisa se perde. Acho que a casa deve produzir no sentido de não termos tanta taxa de insucesso até porque isso vai ser muito penalizante para a própria faculdade, em termos de avaliação externa.


- Mas há muitos estudantes que se queixam da sobrecarga de trabalhos na avaliação contínua… 
Não sei se há. A avaliação contínua começou este ano e há pouquíssimos professores (somos dois ou três na Faculdade de Direito) a optarmos pela avaliação contínua. Nas outras faculdades, talvez. Mas no liceu, que é a experiência mais próxima que têm, eles trabalhavam mais horas do que na universidade. E isto deve levar a uma introspecção bastante profunda, porque eu não sou defensor dos tempos totalmente ocupados. O aluno tem que ter tempo para a outra formação: cinema, viagem, teatro…


Num inquérito que uma revista alemã fez há uns anos a empresários alemães (da Mercedes, Siemens, etc.), perguntavam o que é que os empresários esperavam dos seus académicos. Curiosamente, vieram dizer coisas interessantes. Primeiro, não querem especialistas: a formação especializada são eles que a dão; depois, valorizam o facto dos alunos terem tido um “job” (biscate) na vida e, imediatamente a seguir, terem sido dirigentes académicos, ou seja terem a ideia da conflitualidade social, e terem andado na malandragem (isto é, terem andado pelo mundo a conhecer outras culturas, outros esquemas de organização, um certo pluralismo social).


Eu defendo isso. Os alunos devem ter espaço para tudo isto e não propriamente só para o estudo. Mas também acho que se mantém um estilo de vida que era o que eu tinha também na década de 60. Estudar depois da Queima, considerar que não há nenhuma cadeira que resista a três ou quatro noites de estudo e, evidentemente, que esse é o caminho do insucesso. Acho que temos condições para melhorar mas não podemos continuar com este insucesso. Como lhe digo, cada insucesso de cada aluno é também o insucesso de cada professor.


- Uma vez disse: "o estudante de Coimbra não tem noção da competitividade, da mobilidade, nem da internacionalização: é um estudante que continua vinculado a certas tradições". Isso é prejudicial? 
Sim, acho que cada vez é mais prejudicial. Os jovens que fizeram InterRail ou os que foram para Erasmus, adquirem um certo tipo de experiência, que não é só a de competitividade, mas também de confronto de ideias, de esquemas organizacionais de outras culturas. O que eu contesto é um certo comodismo dos “coimbrinhas” que é passadista e de F. R.A. e que os leva a não terem horizontes. Por exemplo, horizontes de emprego a nível internacional, a nível europeu, outros esquemas dinâmicos. E não têm a noção de que a sociedade de iguais, de capas iguais e de um certo tipo tradicionalista de estar a universidade e estar na comunidade desapareceu. Por isso é que eu não vejo com muitos bons olhos, ver um Conselho de Veteranos como um grande símbolo da academia, não vejo com muitos bons olhos este endeusamento das pessoas que reprovam e que estão aqui muitos anos (o Dux é hoje uma imagem esmagadora para a nossa universidade). Em termos simbólicos e praxísticos não é um crime andar cá mais um ou dois anos porque as pessoas tiveram que trabalhar, porque se dedicaram a tarefas culturais, desportivas… não é crime. Outra coisa completamente diferente é a acumulação de insucessos, a aquisição de um certo “status” e isso ser transformado num símbolo da academia e da universidade de Coimbra. Essas dimensões simbólicas são hoje esmagadoras para a UC.




- Fala também de um certo quietismo passadista ultra-romântico da cidade e da UC… 
De todos: da universidade e da cidade. Coimbra e a sua universidade têm uma forte identidade cultural. Mas por outro lado, temos uma compreensão quietista da vida universitária, da cidade e do país. Eu penso que, apesar de tudo, há notas claras de uma outra cidade e de uma outra universidade. Desde esquemas como a do Instituto Pedro Nunes (incubação de empresas), até empresas constituídas por ex-alunos da UC e que hoje são de qualificação e de certificação mundial. Por isso, penso que as coisas estão a mudar no bom sentido: quer na UC, quer em Coimbra. Mas também penso que ainda não é uma estratégia claramente assumida por todas as faculdades e por um número significativo de docentes e alunos.


- Coimbra é uma cidade-museu ou uma cidade do conhecimento? 
O que eu tenho dito é que não é nenhuma delas, mas que pode ser as duas. A cidade-museu é possível, desde que haja estas dinamizações em que ando envolvido (de Coimbra a Património da Humanidade), estes museus que estão a ser criados em termos modernos, interactivos e com sustentabilidade também a nível de receitas, o que se estende também ao sector privado…


Quanto à cidade do conhecimento: evidentemente isto passa por Coimbra ser uma universidade de investigação – que não é. Tem excelentes centros, mas não é uma universidade de investigação como hoje está demonstrado nos vários sectores. Há centros de investigação excelentes, mas os dados que existem – nacionais e internacionais – demonstram que Coimbra tem sérios problemas a nível de investigação (mais notórios numas faculdades do que noutras). Penso que é também um problema de organização universitária porque a reitoria não pode ser culpada de não ter estratégias, porque esta pertence às faculdades. Por sua vez, as faculdades dependem muito das vontades: das vontade individuais, dos grupos e até aqui também não era possível ter grandes estratégias de investigação em termos institucionais. Acredito que temos saber acumulado que não é bem aproveitado e quando nós descobrirmos que podemos contribuir para isso (ou seja articular as várias competências – uma transversalidade ou partilha de transversalidades cognitivas) podemos fazer investigação e mais do que isso, podemos contribuir para a dinamização dos pólos que já existem. Acredito que isso é possível e só nessa altura é que nós podemos dizer que Coimbra é também uma cidade do conhecimento. Mas não é apenas Coimbra. No fundo, acaba também por ser uma grande região: desde a fronteira de Espanha até à Figueira da Foz. É outro tipo de organização, no fundo um outro tipo de territorialização e de desterritorialização ao mesmo tempo. Temos isso estudado por pessoas que se dedicam aos territórios, às fronteiras, à ideia de dinamização de pólos. Isto está estudado. Não íamos adiantar grande coisa, mas era bom que assumíssemos estas duas máscaras para termos na cidade, ou pelo menos no Centro, uma região como um importante factor, quer no plano do património quer do plano do conhecimento.


- Há pouco falou da reitoria, faculdades, pessoas e vontades. No âmbito do novo Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior, já disse gostaria de ver num Conselho Geral, por exemplo, pessoas que externas à UC, como da Critical Software ou da Biocant… 
Sim, e até o actual administrador do Casino da Figueira da Foz.


- Porquê? 
Porque acho que tem dinâmica, tem uma visão cultural e plural das dinamizações no casino. Vê-se, pelas pessoas que ele tem chamado, pelo modo de dinamizar o casino, que é uma pessoa que pode ter ideias num conselho geral em que há, não devemos esquecer, uma forte componente cultural que precisa de ser dinamizada. Eu, se tivesse que apontar alguns nomes, incluiria o desse senhor, além de outros, como é óbvio. Sobretudo pessoas que nos ensinem algumas coisas. Porque repare: se a Critical é hoje uma empresa certificada mundialmente, que nasceu aqui e que efectivamente é global em todos os sentidos, parece-me que devia ter alguma indicação a dar à estratégia da UC. A Biocant é outra das indústrias de ponta que pode dinamizar ou pelo menos, sugerir ideias em perspectivas de investigação. E penso que isso seria razoável. Outras pessoas, por exemplo, que tenham experiência de projectos de gestão de investigação em termos internacionais, muitas pessoas que já andaram na ciências… E com esta componente que muitas vezes se considera estranha e que não é muito normal nas nossas culturas, penso que poderíamos ter parceiros de dinamização estratégica que são muito importantes para os novos desafios que se colocam à universidade.


- Fale-me um pouco do “seu” tribunal … 
Quanto ao tribunal, lá consegui dinheiro para ele e consegui também para a biblioteca: aproximadamente 20 milhões de euros para a biblioteca da Faculdade de Direito, para o tribunal e para uma coisa que me parece importante que é aquela grelha de interpretação ou o esquema-suporte a todo o turismo universitário, que é aquela ala que vai do Colégio de S. Jerónimo até ao Laboratório Químico. Aí é para se construir – já está aprovado o plano do arquitecto Byrne - um anfiteatro para os “briefings” e para começarmos um turismo moderno. Por outro lado, um restaurante e uma livraria e casas-de-banho, porque o que existe agora é um bom exemplo de terceiro mundismo no turismo da Universidade de Coimbra, aqui não há nada de moderno. E tudo isto, como vê, acredito que pode ser feito. O desafio que o primeiro-ministro comunicou é que isto está no PIDDAC para execução em 2009, 2010. Portanto, em 2011 temos a obrigação de colocar a biblioteca a funcionar, bem como o tribunal universitário. Penso que é um desafio, até porque foi lançado dizendo que é uma ideia competitiva na Europa e no mundo e temos a obrigação de a dinamizar.


- Sobretudo agora, com a aprovação, pelo Parlamento, da proposta do PS destinada a permitir que um ou mais juízos de tribunais de comarca possam ser criados e instalados por decreto-lei junto das universidades. 
Aí, a patente foi nossa. Acho que nós devemos fazer os possíveis para dinamizar esta ideia e demonstrarmos precisamente isso porque estamos à frente em termos de instrumentos universitários, em termos de experiência de ensino e em termos de investigação.


- Além disso, o Tribunal Universitário Judicial e Europeu (TUJE) vai de encontro àquilo que dizia há pouco: “o aprender fazendo”… 
Sim, o aprender fazendo. E outra insinuação que eu fiz atrás: a de convocação desta partilha de transversalidades cognitivas. O centro que queremos fazer de investigação forense é também para auxiliarmos, para melhorarmos e para investigarmos as decisões na justiça, para também podermos amparar os terceiros ciclos que forem dados aqui na UC. E é um centro de investigação da Universidade de Coimbra. E daí que possamos ter investigadores da Faculdade de Medicina, de Ciências, de Economia, de Informática, Letras, nacionais e internacionais…


- Será criado juntamente com o tribunal? 
Exactamente. E além do tribunal em sentido clássico, também os outros meios alternativos de justiça. O TUJE será um centro de captação das dimensões europeias da Justiça.


- Que juízos é que podem funcionar no TUJE? 
O recorte definitivo e concreto do que a comarca vai incorporar vai ser definido em negociações com o Ministério da Justiça. O ideal é a criação de um tribunal de primeira instância, com juízos cível, criminal, do trabalho, da família e administrativo, entre outros. Portanto, os que for possível. E nesta medida, termos um conjunto representativo em termos dos litígios, dos assuntos, das problemáticas jurídicas que são discutidas nos tribunais e de que podem beneficiar os alunos da Universidade de Coimbra.


- Não será apenas um local de aprendizagem… 
Não. Pelo contrário. Os juízos estão a funcionar. Não é nada fictício. O ministro da Justiça também aplaudiu este projecto porque é uma experiência que irá contribuir para o progresso da Justiça. Para nós é também uma experiência, bem como para todos os alunos da UC, e podemos ter um contributo para o melhoramento do serviço da justiça e, além disso, inserir o serviço de justiça numa estratégia também cultural. Já disse – com algum humor ou não – para os grupos de teatro se prepararem para que no dia da inauguração haja um concurso de peças sobre a justiça – o Círculo Caucasiano, o Amigo do Inimigo, a Excepção e a Regra – para depois, alunos e juízes e professores terem teatro à noite, além de outras dinamizações. Estou a dizer isto com algum sentido de humor, mas se tivesse cá nessa altura, gostaria de assistir a isso mesmo. 




 




_________________PERFIL      



Um homem que não esquece as suas raízes



Joaquim José Gomes Canotilho nasceu em Pinhel, no dia 15 de Agosto. Foi há 67 anos. Desde que veio estudar para Coimbra, sempre se manteve na Faculdade de Direito embora com ausências diversas, designadamente para a preparação do doutoramento e, depois, para a guerra, na Guiné. 
“Não vim, como aconteceu a muitos outros colegas, perturbado com a guerra porque fui para a Guiné por motivos políticos, mas estive em Bissau que era uma zona considerada de guerra, e consegui adaptar-me às circunstâncias até porque também tinha lá outros colegas. Foi um grande momento de experiência e que me permitiu ver quais eram as dificuldades de Portugal – o problema de que a guerra era um beco sem saída. Pouco tempo depois tivemos o 25 de Abril”, relata.

Durante o tempo que passou no Ultramar, adquiriu novas experiências. “Se me perguntar se há uma memória traumática em termos pessoais, não. Se há um aprofundamento da minha experiência em termos políticos e sociais, isso é inequívoco”, acrescenta.

Hoje, quando lhe perguntamos se é feliz, baixa os olhos para as mãos entrelaçadas e responde: “Não sei o que é a felicidade…” Se tem tido momentos felizes na vida? Responde que sim. “ Tenho”. 
A modéstia impede-o de confessar que um dos momentos mais altos da sua carreira terá sido em 2003, quando foi distinguido com o Prémio Pessoa. “Não é mérito apenas individual, é também mérito das instituições onde nós estamos, naquilo em que nos tornaram. É resultante de vários factores que contribuíram para a minha formação”.

Desde sempre ligado à Faculdade de Direito, o constitucionalista revela que a docência é “uma boa profissão se for assumida com empenho e dádiva”.

Há tempos questionaram-me se eu gostaria de ter sido sempre funcionário público, se teria cedido aos gestos das sereias para ir para outro lado… eu fui ficando na faculdade e também não posso dizer que fosse uma opção intencional. Acabamos por ficar. Portanto, houve uma opção de vida, mas depois acaba por ser uma realização”.




Entrevista publicada no Diário As Beiras em Dezembro de 2007







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