ALBERTO MARTINS: "Falo com reservas ao telemóvel"


Foto: Gonçalo Manuel Martins


Descontraído e sorridente. Alberto Martins observa, do seu gabinete, as obras que decorrem na Praça do Comércio. Em Maio, Lisboa recebe a visita do Papa Bento XVI. O ministro é agnóstico, não acredita em pecados. Crê na justiça – valor fundamental, estruturante de um estado democrático – hoje descredibilizada. Defensor da liberdade de expressão, confessa que fala com reserva ao telemóvel. Em Coimbra, cursou Direito e foi o rosto da crise académica de 1969. “É a aldeia da minha juventude, a cidade do meu afecto”.


Alguma vez pensou que o dia 17 de Abril de 1969 tivesse aquelas repercussões?
- Não, nunca pensei. Foi uma data e um dia que mudou a minha vida. Provavelmente terá mudado tudo o que se passou na vida de muitos dos meus colegas porque foi extraordinário. Estávamos em plena ditadura, com idade de ir para a guerra colonial. A guerra pairava sobre a nossa cabeça como uma espada: ir ou não ir, fugir ou não fugir, matar ou morrer… Enfim, era um espectro que tínhamos à nossa frente. Note que passados seis anos, há o 25 de Abril e o nosso destino estava traçado: íamos ser oficiais milicianos do exército em guerra. Tínhamos uma ditadura com censura, uma ditadura conversadora. E aquele momento, aquilo que se viu nas greves académicas da Universidade de Coimbra (UC) em 1969, mudaram a nossa vida. Mudou a minha vida.

O que teria dito, no edifício das Matemáticas, se as entidades do Estado lhe tivessem dado a palavra?
Seria um discurso sobre os problemas da universidade, do país, da juventude. Era um discurso que a censura não deixava passar, claramente.

Numa entrevista ao DIÁRIO AS BEIRAS, José Hermano Saraiva – então ministro da Educação – disse que o 17 de Abril não passou de uma lenda...
É normal que ele diga isso. Ele considerou que não houve uma ditadura em Portugal. É um homem com grande ignorância sobre a história, apesar de se dizer historiador. Para ele, Salazar não foi um ditador. Provavelmente, se lhe perguntarem, também não houve uma guerra colonial. Há gente que perdeu a memória da história. Ele não é um investigador de reputação sólida, mas a sua área de investigação deve ser apenas até à República.

Estudou Direito. Como vê hoje a Escola de Coimbra?
Na época, Coimbra era uma universidade com uma pujança nacional muito forte. Agora, em grande medida pela natureza de desenvolvimento do país – e isso é positivo – é uma universidade mais regional. Claro que continua ter áreas de excelência, mas tenho consciência que houve cidades do país que deram um salto muito grande e Coimbra não deu o salto maior no seu desenvolvimento. Qual foi o papel da universidade nisto? A ideia que eu tenho é que, nalgumas áreas, a UC não teve a velocidade que outras universidades tiveram na resposta às novas realidades, como na área das novas tecnologias, da informática e da arquitectura. Logo a seguir ao 25 de Abril, Coimbra poderia ter puxado por essas áreas. Outras universidades fizeram-no. Coimbra não o fez.

Uma situação que não terá, certamente, a ver apenas com a universidade…
Tem a ver com o modelo de desenvolvimento regional. Note que na região Centro, Coimbra era a cidade mais forte e hoje rivaliza com duas cidades que tiveram um grau de crescimento comparativo muito mais forte: os casos de Viseu e Aveiro. Coimbra perdeu, em termos comparativos, muita indústria e tornou-se uma cidade basicamente de serviços. É um desafio para as pessoas de Coimbra.

Tem acompanhado a actuação de Carlos Encarnação?
Não, não tenho. Ele foi meu colega de faculdade e, depois, na Assembleia da República. Mas não tenho acompanhado a vida autárquica do concelho. Coimbra é uma cidade do meu afecto, do meu coração, da minha memória. É a aldeia (no sentido nobre) da minha adolescência.


Admite alargar o leque de crimes sujeito a prisão preventiva…
Sim, é uma das propostas que foi aprovada na generalidade na AR e está agora em discussão na especialidade. É alargada na sequência de um trabalho feito pelo Observatório da Justiça e a ideia é manter a prisão preventiva – só possível para os crimes superiores a cinco anos – e admitir o alargamento, em função da avaliação que foi feita, a outro tipo de crimes.

Como vê a publicação das escutas?
A publicação das escutas, sem autorização de um juiz e sem legalidade, vejo-a como um crime que viola dois interesses: a investigação e os meios de investigação, e os direitos fundamentais – o direito à privacidade, à honra, ao bom nome e a dignidade das pessoas. Vejo como um crime que tem que ser combatido e temos que criar os meios para o fazer. Porque isso não serve a justiça, nem dignifica as pessoas.

Existe um segredo de justiça…
Que é violado, muitas vezes, como temos oportunidade de ver na comunicação social.

Como é que o segredo é violado? Por funcionários da justiça?
Não faço conjecturas sobre isso. Quem viola as escutas é quem tem contacto com as escutas. Não sei… não quero individualizar sectores que podem fazer isso, mas a violação do segredo de justiça é um crime. Portanto, tem que ser combatido. Os crimes combatem-se. Vamos ver se são precisas mais leis. Pode ser que não. Eu pedi, aliás, uma sugestão de iniciativa legislativa ao Procurador-Geral da República. Estou muito empenhado em recolher essa informação. Há quem diga que é, sobretudo, um problema de como o segredo deve ser guardado. É evidente que os processos judiciais são acessíveis a muitas pessoas. Portanto, temos que limitar o acesso e controlar a identificação de quem acede, por dever de ofício, ao segredo. Há serviços que têm acesso a segredos de Estado que têm uma guarda exemplar, como é o caso das Forças Armadas – e é suposto ser até o mais nobre, o mais exigente dos segredos. Não se ouve falar de divulgações do segredo de Estado. Significa que há instituições públicas portuguesas que têm uma guarda consistente do segredo.

Fala com reservas ao telemóvel?
(risos) Antes do 25 de Abril não havia telemóvel, mas falava com reserva ao telefone porque, já na altura, éramos intersectados. Falo com reservas porque hoje há meios muito sofisticados para se fazerem escutas ilegítimas. Não me preocupam as escutas legítimas, porque essas precisam de uma autorização de um juiz. Mas não tenho dúvidas que há meios tecnológicos sofisticados para fazer, por exemplo, escutas a esta nossa conversa. E por isso, há essa reserva, sendo certo que, que se nós continuarmos num processo de prevenir isso, as coisas melhorarão. Tenho a ideia não é por existir um Código Penal que deixa de haver criminosos. Mas ajuda muito.

Abusa-se da liberdade de expressão em Portugal?
O abuso só é ilegítimo quando viola valores que são superiores à divulgação. O abuso do direito não é um direito; é um abuso do direito, é uma utilização indevida, ilícita do direito.

Partilha da opinião de Mário Soares quando disse que Sócrates tem sido um resistente?
É evidente que ele anda a ser acusado na praça pública, de há muito, de uma série de actos cuja prova eu ainda não vi. Não foi acusado de nada. É inaceitável haver uma suspeição pública sobre um dos primeiros representantes e rostos públicos do país porque isto degrada a condição política. É uma violência contra a dignidade das pessoas, contra a intimidade, o bom nome, a sua honra, e degrada a própria imagem do país. Ou há razões para se acusar uma pessoa – seja o mais humilde dos cidadãos até ao mais responsável – ou então é uma situação inaceitável.

As actuações do PGR e do presidente do Supremo têm contribuído para essa situação?
Não faço apreciações obre essas altas individualidades da justiça que têm responsabilidades próprias e que as têm desempenhado com grande dimensão. Têm competências próprias e eu respeito em absoluto a independência dos juízes, magistrados e, desde logo, o reconhecimento de importância institucional do presidente do Supremo Tribunal, e o papel na autonomia do Ministério Público e a grande dimensão que lhe cabe no funcionamento da justiça, do Procurador-Geral da República.

Vamos ter presidenciais. Já disse que Manuel Alegre é uma grande referência do PS e da democracia portuguesa…
Sim, é indiscutível. Vou partilhar seguramente a decisão do PS sobre essa matéria e, na altura própria, o PS tomará a sua decisão. Acho que nesta grande disputa presidencial, o partido não poderá deixar de apoiar uma candidatura à presidência da república e eu vou participar nesse debate.

Vai apoiá-lo?
Vou participar nesse debate.

Entrevista publicada no Diário As Beiras (10 Abril 2010)

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