EMIGRAÇÃO: O salto para contrariar o destino
Nasceu no dia da Primavera, em 1942, no seio de uma família pobre. Em Paredes do Bairro, uma aldeia de Anadia, Manuel mal teve tempo para viver a infância. Aos nove anos foi “servir” para um lavrador rico que lhe dava dormida e alimento. Só recebia ao final do ano.
Dos momentos de solidão, longe de tudo e de todos, Manuel Almeida guarda recordações, amigos e alguns registos fotográficos de uma luta sem razão.
Regressou em 1966 e, no ano seguinte, casaria com a mulher que conhecera num baile da terra. Foi a 30 de Abril de 1967. A lua-de-mel duraria poucos meses. O Portugal cinzento da época não coincidia com a juventude dos seus 25 anos e à cor que queria dar aos seus sonhos. “Tinha que partir para dar uma vida melhor à minha família. Sabia o risco que estava a correr”, recorda.
Naquele tempo - anos 60 - a emigração estava sobretudo direccionada para França. Os portugueses partiam das aldeias, com a ajuda dos “passadores” a quem tinham de pagar o dinheiro que tinham e que não tinham. Naquela altura, dava-se o salto, para que a vida não fosse a mesma, para contrariar o destino, para vencer a miséria.
Foi o que fez naquela noite fria de Dezembro. Com um amigo, foi até à estação de comboios, e a mulher do “passador” - a quem pagou sete contos para atravessar as duas fronteiras até França, sem documentos -, levou-os ao comboio. “Era já de noite quando chegámos a uma aldeia perto de Vilar Formoso. Lembro-me que, na casa, estavam sete porcos pendurados, que iriam servir de sustento à mais de uma centena de pessoas que nos esperavam no mato. Iam a salto connosco”, recorda.
Na manhã seguinte, e já todos juntos, na clandestinidade, lá seguiram a pé, serra fora. Depois de chegarem a Irun, Espanha, um dos passadores distribuiu a todos um documento (falsificado) da Polícia Civil, para poderem atravessar a fronteira para França. De comboio, conseguiram chegar à Gare Austerlitz.
Dali, seguiu, já sozinho, com um papel na mão, que lhe havia sido entregue pelo irmão mais velho. “Fui ter com a polícia e mostrei-lhe o papel. Pegaram-me pelo braço e pensei que tinha sido preso. Mas tratou-se de um gesto amigo. Levaram-me a um bairro e lá encontrei o meu irmão”, lembra.
Manuel Almeida ainda trabalhou em França alguns anos, mas a greve geral de Maio de 68 fê-lo regressar. Ainda esteve em Portugal quatro anos, altura em que seria pai pela primeira vez. Mas deixaria o filho, com pouco mais de um ano, e rumou para o Luxemburgo.
Voltaria na noite da Revolução dos Cravos em Abril de 1974. Bastariam dois meses para voltar a pegar na bagagem. Desta vez, atravessou o Atlântico e emigrou para o Canadá. Durante mais uma década, ele trabalhou numa empresa de metalurgia e a mulher num hotel. Tiveram, em 78, a segunda filha. “Devo muito àquele país. Tenho o que tenho, graças ao que consegui lá. Não foi fácil, mas não me arrependo. Sei que dei uma vida boa aos meus filhos e nunca lhes faltei com nada”.
Reformado, Manuel Almeida passa hoje os dias na serenidade da aldeia que deixou aos 25 anos. Passa-os com a mulher que o ajudou a ter o que tem hoje, e com a certeza de que o trabalho e a saudade valem quase sempre a pena.
Foto: Patrícia Cruz Almeida |
Foi numa noite fria de Dezembro de 1967 que Manuel Almeida decidiu dar “o salto”. O salto para fugir ao Portugal de Salazar, rumo ao sonho de uma vida melhor.
Nasceu no dia da Primavera, em 1942, no seio de uma família pobre. Em Paredes do Bairro, uma aldeia de Anadia, Manuel mal teve tempo para viver a infância. Aos nove anos foi “servir” para um lavrador rico que lhe dava dormida e alimento. Só recebia ao final do ano.
“O primeiro salário foram 400 escudos, mas o dinheiro era para os meus pais, trabalhadores agrícolas”. Só aos 20 anos é que o último “patrão” lhe daria o dinheiro suficiente para comprar uma bicicleta. A mesma com que, todos os dias, começou a ir para Aveiro para cumprir o serviço militar. “Roubaram-ma ao final de duas semanas, mas rezei porque era a melhor coisa que eu tinha na altura. Apareceu, dias depois, à porta do quartel...”.
Deixaria-a para trás quando, em 1963, entrou no “Pátria” rumo a Moçambique. Nunca entendeu a lógica do conflito que lhe roubou três anos da sua juventude. “A despedida no Cais da Rocha foi dos momentos mais dolorosos da minha vida”, confessa.
Dos momentos de solidão, longe de tudo e de todos, Manuel Almeida guarda recordações, amigos e alguns registos fotográficos de uma luta sem razão.
Regressou em 1966 e, no ano seguinte, casaria com a mulher que conhecera num baile da terra. Foi a 30 de Abril de 1967. A lua-de-mel duraria poucos meses. O Portugal cinzento da época não coincidia com a juventude dos seus 25 anos e à cor que queria dar aos seus sonhos. “Tinha que partir para dar uma vida melhor à minha família. Sabia o risco que estava a correr”, recorda.
Naquele tempo - anos 60 - a emigração estava sobretudo direccionada para França. Os portugueses partiam das aldeias, com a ajuda dos “passadores” a quem tinham de pagar o dinheiro que tinham e que não tinham. Naquela altura, dava-se o salto, para que a vida não fosse a mesma, para contrariar o destino, para vencer a miséria.
Foi o que fez naquela noite fria de Dezembro. Com um amigo, foi até à estação de comboios, e a mulher do “passador” - a quem pagou sete contos para atravessar as duas fronteiras até França, sem documentos -, levou-os ao comboio. “Era já de noite quando chegámos a uma aldeia perto de Vilar Formoso. Lembro-me que, na casa, estavam sete porcos pendurados, que iriam servir de sustento à mais de uma centena de pessoas que nos esperavam no mato. Iam a salto connosco”, recorda.
Na manhã seguinte, e já todos juntos, na clandestinidade, lá seguiram a pé, serra fora. Depois de chegarem a Irun, Espanha, um dos passadores distribuiu a todos um documento (falsificado) da Polícia Civil, para poderem atravessar a fronteira para França. De comboio, conseguiram chegar à Gare Austerlitz.
Dali, seguiu, já sozinho, com um papel na mão, que lhe havia sido entregue pelo irmão mais velho. “Fui ter com a polícia e mostrei-lhe o papel. Pegaram-me pelo braço e pensei que tinha sido preso. Mas tratou-se de um gesto amigo. Levaram-me a um bairro e lá encontrei o meu irmão”, lembra.
Manuel Almeida ainda trabalhou em França alguns anos, mas a greve geral de Maio de 68 fê-lo regressar. Ainda esteve em Portugal quatro anos, altura em que seria pai pela primeira vez. Mas deixaria o filho, com pouco mais de um ano, e rumou para o Luxemburgo.
Voltaria na noite da Revolução dos Cravos em Abril de 1974. Bastariam dois meses para voltar a pegar na bagagem. Desta vez, atravessou o Atlântico e emigrou para o Canadá. Durante mais uma década, ele trabalhou numa empresa de metalurgia e a mulher num hotel. Tiveram, em 78, a segunda filha. “Devo muito àquele país. Tenho o que tenho, graças ao que consegui lá. Não foi fácil, mas não me arrependo. Sei que dei uma vida boa aos meus filhos e nunca lhes faltei com nada”.
Reformado, Manuel Almeida passa hoje os dias na serenidade da aldeia que deixou aos 25 anos. Passa-os com a mulher que o ajudou a ter o que tem hoje, e com a certeza de que o trabalho e a saudade valem quase sempre a pena.
Reportagem publicada no Diário As Beiras em Fevereiro de 2008
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