Eu, seguidor da religião U2, me confesso


Dormiram no carro, fizeram tatuagens, foram os primeiros a entrar no estádio, gastam três mil euros para seguir a banda. São os fiéis devotos de Bono.

Cobertores, sacos-cama, mochilas com comida. Passeios vedados, barreiras de segurança, ruas cortadas. Durante uma semana não se falou de outra coisa em Coimbra. Veio gente de todo o mundo. Milhares de pessoas que não se conheciam mas cujas histórias se cruzam num ponto: amor incondicional pelos U2.

Duas gerações Vilar de Mouros, 1982. Ana Rodrigues tinha 28 anos e assistiu, pela primeira vez, a um concerto dos U2. Quase três décadas depois, foi o filho, de 22 anos, que a desafiou. "Veja lá: vim de véspera. Mas estou a gostar muito deste ambiente", diz a mãe, num acentuado sotaque do Norte. Nuno Magalhães já viu a banda irlandesa em Lisboa (2005) e em Dublin (2009). Aliás, ele foi um dos autores das petições para um segundo concerto (de três que se realizaram) na Irlanda no ano passado. Mas desta vez um é pouco: Nuno assistiu aos dois espectáculos e fez questão de trazer a mãe para que ela pudesse viver "todo o misticismo" à volta dos U2. "É um fenómeno transcendente." A mãe olha para ele meio desconfiada, mas depois sorri - quem sabe, também ela convertida.

O fã religioso "A maior loucura que fiz pelos U2?" Num ápice, Paulo Silva, 31 anos, despe o pólo que traz vestido. Vira-se, posa para a objectiva e diz: "Aqui está a minha maior loucura." No entanto, a tatuagem dos U2, desenhada no ombro esquerdo, não está incluída no orçamento de cerca de três mil euros que já gastou em viagens e em bilhetes para assistir aos concertos do grupo. "Mas também trabalho para isso", lança sem rodeios, o funcionário da Autoeuropa, que veio de Setúbal. O amor que tem pela banda é incondicional: só a mulher e a filha - "claro" - estão acima de Bono e companhia. Mas pensa nos U2 todos os dias, tal qual um devoto. "É uma religião. Por eles ia até ao fim do mundo." Este fim-de-semana bastou-lhe ir a Coimbra. No sábado, no final do concerto, não dizia outra coisa: "Foi brutal. Bruuuutal!"

O Bono de Gondomar "Não é o Bono, pois não?", pergunta-lhe uma senhora já de idade avançada. Não, não é. Mas as semelhanças físicas são impressionantes: o cabelo, os óculos escuros, a roupa preta e o terço que lhe pende ao pescoço. Paulo Santos tem 44 anos e faz suas as causas de Bono Vox. Apesar de estar desempregado gastou 450 euros para mandar fazer uma tarja de dez metros de comprimento com a fotografia de Aung San Suu Kyi, activista birmanesa e prémio Nobel da Paz em 1991 que os U2 homenagearam com a música "Walk On". O objectivo é recolher assinaturas e, depois, divulgar a mensagem na internet, apelando ao governo de Myanmar para a libertar.

Paulo chegou às imediações do Estádio Cidade de Coimbra na madrugada de quinta-feira para conseguir o melhor lugar. Conseguiu: "Fiquei a escassos metros dele", disse no final do concerto de sábado. Depois de três dias e três noites passadas em filas e a dormir no carro, já não consegue esconder os sinais de cansaço. "Mas olhe que valeu bem a pena."

O italiano dos dez concertos Com os seus 1,90 metros de altura, David Vénus quase não precisava de perder tempo nas filas para conseguir o melhor campo de visão do concerto. Mas em Coimbra - onde assistiu aos dois concertos -, foi o terceiro a chegar. Natural de Itália, 25 anos, David conhece de cor e salteado todas as músicas e a 360.o Tour já não é novidade: dez concertos, milhares de quilómetros percorridos, muitas horas de sono por dormir. "Adoro a música, a poesia... e o ambiente de paz que se sente em cada espectáculo", afirma. Compreende-se portanto que ande com a casa às costas desde o passado dia 26 de Setembro, dia em que os U2 actuaram em San Sebastián (Espanha). Depois dos dois concertos em Coimbra, segue para Roma para assistir ao espectáculo de sexta-feira, no próximo dia 8. Mas dessa vez diz que terá direito a lugar VIP. Pela dedicação, atrevemo-nos a dizer que merece.

Reportagem publicada no jornal i (4 Outubro de 2010)

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