MARCELO REBELO DE SOUSA: "O poder só é solúvel se for mal exercido"


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Político, advogado, professor catedrático da Faculdade de Direito de Lisboa, comentador... Apesar de uma agenda cheia, Marcelo Rebelo de Sousa – o homem que dorme pouco – aceitou ser entrevistado pelo DIÁRIO AS BEIRAS FS.

- Porque é que é anti-regionalista?
- Votei, em 1976, a Constituição com as regiões administrativas criadas a partir das regiões-plano. Fiz, em 1981 e 1982, a campanha do Livro Branco da Regionalização, na mesma base, correndo o Continente. Fui, em 1998, contra aquela regionalização, aquele mapa sem justificação e com objectivos governativos de mera promoção partidária. Já defendi referendo interno no PSD, agora, sobre a matéria. No futuro, a minha posição dependerá do mapa, da justificação, da não coincidência da criação com a crise que enfrentamos e da compatibilização das regiões com as áreas metropolitanas – que têm lógica e deverão, ao menos nos casos de grandes metrópoles -, manter algum protagonismo. Ou seja, mesmo em 1998, tive sempre o cuidado de esclarecer que não era contra toda e qualquer regionalização, era contra aquela regionalização. E, como eu, muita gente no PSD, que esteve unido pelo não, mas tinha quem defendesse outros modelos de regionalização.

- O que é que lhe vem à ideia quando ouve falar em região Centro?
- O dinamismo educativo, cultural e sanitário de Coimbra; o dinamismo educativo, empresarial e social de Aveiro e de Leiria; o dinamismo empresarial, de homogeneização do Interior e autárquico de Viseu. E, ainda, a responsabilidade do litoral para com um interior profundo – das Beiras Alta e Baixa – muito sacrificado.

- Parece-lhe importante recuperar e valorizar a velha classificação das três Beiras?
- Embora a minha geração ainda a use, por inércia formativa, entendo que a multiplicação de regiões conduz a um modelo tão inaceitável como o rejeitado em 1998.

- Porque é que não gosta de Coimbra?
- Porque, pelo contrário, gosto imenso de Coimbra, e o digo sempre que aí estou? Porque é a matriz da Universidade em Portugal e, se a minha Faculdade existe, o deve aos professores idos de Coimbra e ao apoio de Coimbra quando foi extinta em 1928. Porque é a área (abrangendo o distrito) onde melhor se fala o nosso português. Porque – coisa não irrelevante para um hipocondríaco – é o centro da Saúde em Portugal. Porque adoro o clima - seco e pouco ventoso, mesmo se muito quente no Verão, e muito frio no Inverno. Porque as pessoas são muito acolhedoras e a qualidade de vida é apreciável (bem longe do stress de Lisboa). Porque aí passei temporadas – semanas a fio, ou interpoladas – a preparar provas académicas e fiquei bom amigo de muita gente. Porque gosto dos colegas da Universidade, da República do Direito, do Bispo, das editoras, da Quinta das Lágrimas (claro!), da Coimbra monumental, da Coimbra gastronómica (sou confrade dos Vinhos da Bairrada). Porque, partidariamente, sempre me dei bem com os PSD de Coimbra, aliás, como com os PS, os CDS e até vários PC e BE. Em suma, gosto de Coimbra e já disse ter pena de não ter frequentado a Universidade e não ter vivido a vida de académico coimbrão.

- Também é dos que acha que a guerra de Coimbra contra a co-incineração é uma perda de tempo?
As guerras políticas por convicção nunca são uma perda de tempo.

- O que sente de cada vez que atravessa a Porta Férrea?
Tudo o que já disse antes, mais a História que é uma força essencial da nossa Portugalidade, no presente e no futuro. Tal como quando vou à Igreja de Santa Cruz e por lá paro a pensar em D. Afonso Henriques.

- Justifica-se a criação de um Tribunal Universitário Judicial Europeu?
Claro! Eis uma boa ideia, ao que penso de um querido amigo e Mestre, José Joaquim Gomes Canotilho.

- Como avalia a qualidade do ensino universitário no Centro?
- Dizem os número que francamente bom. E, além dos números, a qualidade das pessoas e das obras. Com a Universidade de Coimbra a liderar. Mas com outros exemplos de relevo, como a Universidade de Aveiro.

- Já disse que o país está “atado” a um regime jurídico das instituições, em função do qual tudo é inexequível. O futuro das universidades está em risco?
- Só se não tiverem alma e unidade interna para lutarem e se afirmarem. Já resistiram a coisas piores desde a Idade Média…

- Num debate promovido pelo PSD Coimbra, elogiou a vice-reitora Cristina Robalo Cordeiro. Acredita que será a próxima reitora da Universidade de Coimbra?
- Gosto dela. Como académica e como pessoa. Infelizmente não voto na Universidade de Coimbra.

- Veio a Coimbra apresentar um livro de Carlos Encarnação. Também pensa que o poder é solúvel?
Também gosto de Carlos Encarnação. Há muito tempo. O poder só é solúvel se não é exercido ou se é mal exercido.

- Mesmo à distância, acompanha o desempenho autárquico de Carlos Encarnação, Ribau Esteves, Jaime Soares ou Álvaro Amaro?
- Carlos Encarnação virou Coimbra para o século XXI, recriando um centro político e ultrapassando clivagens muito fundas entre direita e esquerda. Ribau Esteves é um populista intuitivo e criativo, que deu novos horizontes a Ílhavo. Jaime Soares, talvez com Fernando Ruas, ou até mais do que ele, é o autarca mais sabido e experiente dos sortilégios das forças e fraquezas do poder local. Álvaro Amaro é um político hábil, que largou o palco nacional pelo autárquico – tal como Carlos Encarnação – e que vive com parte do coração em Gouveia, outra em Coimbra (e outra ainda, pequena, em Lisboa). Declarações de interesses – são todos do PSD e sou amigo de todos eles.

- Como comenta o caso dos CTT em Coimbra, que envolve altas figuras do PSD, entre as quais um ex-secretário-geral?
- Como todos os casos idênticos, faça-se justiça. Exemplarmente. Que é o que defendo para todos – para mim, meus familiares, meus amigos, meus menos amigos ou desconhecidos. Espero que um amigo meu, envolvido no processo, seja absolvido. Mas a Justiça o dirá.

- Como avalia a actuação deste Governo?
- Do Governo de Sócrates II se dirá que teve arranque baço e triste até Dezembro. Ganhou cor e ânimo em Janeiro, com os sinais da viabilização do Orçamento de Estado. Assim não converta essa cor e esse ânimo em renovada arrogância… E não provoque crises para antecipar eleições num ano tão difícil para Portugal.

- Pondera candidatar-se à liderança do partido?
O que tinha a ponderar, já ponderei. E os factos subsequentes só confirmaram o bem fundado das razões que me levaram a não me candidatar.

- E à Presidência da República?
- Defendo a reeleição de Cavaco Silva. E estou convicto de que é o que vai acontecer.

- Que falta fazer para combater o crescimento do desemprego?
- De nós depende – estímulos maiores às PME, mais investimento externo, investimento público selectivo e racional, diversificação de mercados de exportação, aposta maior na Lusofonia - com enorme potencial de capital e de novos mercados de trabalho – e, a prazo, melhor educação, formação, reconversão laboral e empresarial.
- Dos outros, depende – a Europa arrancar, os nossos mercados de exportação – europeus e não europeus – recuperarem crescimento económico, os credores acreditarem em Portugal como devedor cumpridor e sensato.

- As Novas Oportunidades são uma “trafulhice”, como comentou Medina Carreira?
A ideia é socialmente boa, sobretudo em período de crise. A execução é muito diferenciada. Nalguns casos, pode ter havido, simplismo e facilitismo. Os grandes riscos foram e são outros: o aproveitamento partidário excessivo e a ilusão criada em muitos de que seria a porta imediata para emprego ou promoção laboral.

Entrevista publicada a 16 de Fevereiro no Diário As Beiras


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