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Um sábio “mimado” que rejeita viver da reforma do Estado

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Créditos: Carlos Jorge Monteiro À hora marcada, nem vivalma. Junto a um restaurante abandonado no Bolão, o silêncio é apenas interrompido pelo barulho dos carros que passam na Estrada na Cidreira. O tempo passa e nada. Mas, à derradeira tentativa, alguém grita: “Faça o favor, minha senhora!”. À primeira vista não se percebe bem de onde surge aquela figura franzina. Sai de uma casa completamente tomada por heras – existe ali uma casa? – cabelo desgrenhado, ainda descalço, a ajeitar a gravata. O homem sorri, pede desculpa pelo atraso, e começa a falar. O bigode branco e farto, a tapar-lhe os lábios, não impede que as palavras lhe saiam em catadupa, num português escorreito e elaborado, como se estivesse a proferir uma palestra. Valdemar Caldeira é um sábio que preferiu renunciar às reformas do Estado porque não consegue aceitar “a hipocrisia da persuasão, a lógica do impositivo e o uso do autoritarismo”. Vive, por isso, das heranças deixadas pelos pais. “Não vivo com e

Memória

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DR     Guardo–te na memória desde os meus 12 anos. Sentada na varanda, junto ao postigo da casa dos meus pais. A tristeza tinha–te vestido de preto, muito antes de eu ter nascido. Talvez por isso recorde ainda hoje o teu sorriso triste mas sempre tão meigo quando falavas comigo. Permanecias as tardes sentada junto ao jardim, e ali estavas, durante horas, escondendo entre as mãos marcadas pelo tempo, o terço que alguém te oferecera. Nunca entendi o significado das tuas orações. A fé que trazias contigo era uma equação impossível para uma criança como eu. Mas quando eu chegava, interrompias as tuas conversas com Deus, falavas–me de ti ou do avô, que havia partido muitos anos antes. E das minhas boas lembranças de infância, guardo no “baú dos tesouros” as palavras que ias desfiando à medida que o sol se punha. Um dia, a tua luz apagou–se. E eu senti falta. Senti falta de regressar da escola e ver–te sentada junto ao postigo da casa, rezando para o mesmo Deus que te levar

Tempos de guerra escritos pela mão de um pastor

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Foto: Luís Neves Tinha 22 anos quando entrou no paquete "Vera Cruz" rumo a Angola. Nunca entendeu a lógica do conflito que lhe roubou três anos da sua juventude. Dos momentos de solidão, longe de tudo e de todos, António Monteiro contou os segredos impossíveis de suportar num diário de guerra que guarda religiosamente como um tesouro. Através do refúgio de uma escrita simples e modesta, o "praça" - hoje pastor em Tentúgal - deixou um testemunho sereno e factual de uma luta sem razão. " (...) Hoje mesmo, dia 28 de Maio de 1967, dia em que eu faço 25 meses de comissão, cá vou entrar para o Vera Cruz, nove dias de água, se Deus me der saúde" . Chegavam assim ao fim três anos de sofrimento no Ultramar. O diário escrito por António Faria Monteiro relata as aventuras e desventuras de um soldado em Angola: as emboscadas, os ataques ou as festas que animavam o abrigo encontrado nas casernas. É talvez um dos poucos - senão único - r

GOMES CANOTILHO: “Algumas dimensões simbólicas são esmagadoras para a Universidade de Coimbra”

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DR É um dos nomes mais relevantes do direito constitucional da actualidade. No entanto, Gomes Canotilho nunca cedeu “aos gestos da sereias” e foi ficando na Universidade de Coimbra. Isso não o impede de lançar críticas ao quietismo passadista ultra-romântico da cidade e da sua universidade, que – refere – “tem sérios problemas a nível de investigação” e onde “não faltam exemplos de terceiro mundismo no turismo”.  - Fez 67 anos em Agosto...   Está na altura de preparar a reforma. - Para quando será?   A Universidade de Coimbra (UC), dentro de uma lógica da história da casa, dá um certo valor àqueles que aguentam até aos 70 anos. Por isso é que há a diferença entre reformados e jubilados. Não há consequências em termos formais ou materiais, há apenas uma diferença académica e institucional. Os que têm 70 anos têm direito a uma última aula, que não é dada pelo próprio professor, mas por um dos seus discípulos. É apenas essa dimensão simbólica. Penso que, so

MARCELO REBELO DE SOUSA: "O poder só é solúvel se for mal exercido"

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DR Político, advogado, professor catedrático da Faculdade de Direito de Lisboa, comentador... Apesar de uma agenda cheia, Marcelo Rebelo de Sousa – o homem que dorme pouco – aceitou ser entrevistado pelo DIÁRIO AS BEIRAS FS. - Porque é que é anti-regionalista? - Votei, em 1976, a Constituição com as regiões administrativas criadas a partir das regiões-plano. Fiz, em 1981 e 1982, a campanha do Livro Branco da Regionalização, na mesma base, correndo o Continente. Fui, em 1998, contra aquela regionalização, aquele mapa sem justificação e com objectivos governativos de mera promoção partidária. Já defendi referendo interno no PSD, agora, sobre a matéria. No futuro, a minha posição dependerá do mapa, da justificação, da não coincidência da criação com a crise que enfrentamos e da compatibilização das regiões com as áreas metropolitanas – que têm lógica e deverão, ao menos nos casos de grandes metrópoles -, manter algum protagonismo. Ou seja, mesmo em 1998, tive sempre o cuidad

Na Terra dos Sonhos há sorrisos que valem por mil palavras

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Foto: Carlos Jorge Monteiro Vivem num mundo povoado de silêncio, mas nenhum som seria suficiente para descrever a felicidade que traziam cravada no rosto. Bruno, de 9 anos, e David, de 6, são irmãos, sofrem de uma surdez profunda e proveem de uma família carenciada, residente na Baixa da Banheira (Lisboa). São meninos que guardam sonhos, como tantos outros. Ainda que no silêncio dos seus dias. “Resolvemos pincelar este dia com coisas boas. São crianças modestas, tal como os sonhos que têm”, disse Mário Araújo, voluntário da Terra dos Sonhos, associação que no domingo levou o Bruno, o David e as duas irmãs (Genciana e Viviane) a uma viagem única por Coimbra. A Terra dos Sonhos aproveitou o facto de estar a decorrer na cidade o Campeonato Mundial de Natação de Surdos para mostrar a estes dois meninos que “existem locais onde ser surdo é ser normal e que a surdez não é impedimento de felicidade ou sucesso”, adiantou Mário Araújo. São 15H30 quando David e Bruno saem a corre

EMIGRAÇÃO: O salto para contrariar o destino

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 Foto: Patrícia Cruz Almeida  Foi numa noite fria de Dezembro de 1967 que Manuel Almeida decidiu dar “o salto”. O salto para fugir ao Portugal de Salazar, rumo ao sonho de uma vida melhor. Nasceu no dia da Primavera, em 1942, no seio de uma família pobre. Em Paredes do Bairro, uma aldeia de Anadia, Manuel mal teve tempo para viver a infância. Aos nove anos foi “servir” para um lavrador rico que lhe dava dormida e alimento. Só recebia ao final do ano. “O primeiro salário foram 400 escudos, mas o dinheiro era para os meus pais, trabalhadores agrícolas”. Só aos 20 anos é que o último “patrão” lhe daria o dinheiro suficiente para comprar uma bicicleta. A mesma com que, todos os dias, começou a ir para Aveiro para cumprir o serviço militar. “Roubaram-ma ao final de duas semanas, mas rezei porque era a melhor coisa que eu tinha na altura. Apareceu, dias depois, à porta do quartel...”. Deixaria-a para trás quando, em 1963, entrou no “Pátria” rumo a Moçambique. Nunca entendeu a l